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domingo, 1 de março de 2009

Yuri Firmeza e o artista japonês de araki



“Eu menti!”, disse Macunaíma com a cara mais deslavada do mundo. Não me lembro agora, afinal já se passaram quase trinta e cinco anos da leitura do livro de Mário de Andrade e, à moda da urgência jornalística, também eu não tenho tempo para verificar na obra se foi por causa do mentido que o anti-herói foi condenado a viver isolado numa ilha deserta, debaixo de um sol sempre a pino, onde a única sombra que existia era sob a única palmeira existente no lugar, e sobre esta, um urubú cagava intermitentemente na sua cabeça.

Mas, lembro-me do Drummond narrando no “Fala Amendoeira”, que quando era um jovem cronista de um jornal de Belo Horizonte, usou esta mesma expressão macunaímica, “Eu menti!”, para justificar uma série de escritos que publicou narrando visita anônima de Greta Garbo, a quem ele foi incumbido de ciceronear na capital de Minas Gerais. Sabia-se na época que ela tinha acabado de deixar o cinema buscando um asilo voluntário, mas na verdade, estava muito doente e bastante esgotada da maratona de sucesso, e fora aconselhada pelos seus médicos americanos a buscar os ares mineiros, como remédio certo para curar sua depressão. Pela graça de ser amigo do adido cultural americano de ”Beagá”, coube a Drummond a difícil tarefa de conduzir a diva nas grandes incursões a Serra do Curral, ou nos lânguidos passeios pelo Parque Moscoso durante tardes mornas.

Foi isso, que o jovem jornalista narrou semana após semana na sua crônica domingueira, enchendo a mineirada de um orgulho ufanista e permitindo, até, que uma leva de causos sobre flagrantes dessa inesperada visita se alastrasse pelas rodas dos incautos socialites, e se constituíssem no repertório temporal de tradicionais famílias mineiras, e também dos poderosos políticos emergentes, e até, dos novidadeiros de plantão. Quando todos tinham uma história para contar sobre encontros casuais com a atriz e seu jovem cicerone, e alguns tinham divulgadas suas participações no restrito séqüito de condutores aos passeios, ou nas fechadíssimas listas de convidados para recepções secretas, o poeta saiu com esta: “Eu menti!”. E assim, Belo Horizonte teve que engolir o orgulho e saber que não estava com aquela bola toda, teve que aprender a rir da sua própria imagem e do folclórico acontecimento que ajudara a criar.

A obra que Yuri Firmeza criou para o Dragão do mar, bem poderia se chamar: “Artista japonês de Araki X Imprensa de Cristal”, pois, apesar do tipo de estratégia usada não ser exatamente uma novidade no campo da arte – inúmeros exemplos poderiam ser citados, desde o antológico engôdo de Orson Welles, passando pelo falso cheque de Marcel Duchamp destinado ao seu dentista, até o vazio de Yves Klein – percebe-se que mudaram-se os tempos, mas a irreverência da juventude artística continua a mesma. O curioso disso, é que o impacto sobre os desavisados também não mudou, e eles continuam chiando pela ética e pela verdade.

No que diz respeito à imprensa jornalística – que vive da reprodução das notícias, quase sempre sem checar às fontes – dá vontade de rir. Mas nesse episódio até que é compreensível a reação dos tapeados, afinal os jornais vivem da espetacularização dos acontecimentos e quase nunca abrem espaço para a crítica ou para o debate cultural. É sempre o fato espetacular ou a novidade da moda que domina toda a divulgação na mídia jornalística. E pouco interessaria nesse caso, se o jornalista tivesse humor suficiente para encarar o dito pelo não dito, pois, o que lhe falta é tempo para pesquisa numa imprensa que é massificada na velocidade imediatista, e que não tem espaço para reflexões mais profundas a respeito da cultura e dos desdobramentos e tensionamentos da arte.

Segundo a crença de uma parte significativa do jornalismo, as complexas atividades da arte contemporânea só interessam mesmo para meia dúzia de intelectuais, e que os jornais são escritos para as massas. Afinal, uma notícia inverídica atinge principalmente o seu público alvo: o povo. Este, segundo as leis das redações, não irá mesmo entender as mazelas da arte, e, portanto, o caminho mais fácil para retratar essa falsa notícia é mesmo a detratação do artista. Em nome da verdade dos fatos, será ele o único malandro julgado, condenado, culpado pela situação.

Mas também, quem mandou o artista revelar para o povo que a imprensa é de cristal, e que um grito mais agudo poderia transformá-la em milhões de caquinhos. Cuidado Yuri! Comenta-se em off que aquela ilha ensolarada fica no litoral nordestino, e nela o fatídico urubú ainda continua pousado sobre a mesma palmeira, espreitando ansiosamente um abusado artista. Advinhe para quê!?

Carlos Sena – Artista plástico, Prof. Ms em Arte Publicitária e Produção Simbólica – ECA/USP, leciona Arte Moderna e Contemporânea na FAV/UFG.

Este texto foi originalmente publicado no livro Sousareta Geitsuka/Yuri Firmeza (organizador) - Fortaleza CE: Expressão Gráfica e Editora, 2007.

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