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terça-feira, 3 de março de 2009
Galeria da FAV de 2001 a 2006 - Percurso e reflexão II
Divino Sobral. Avizinhamentos, b53 e b54, 2007. Fotografia digital. 74 X 100cm cada.
Entrevista a Carlos Sena por Carla Abreu
Para entendermos melhor a respeito do propósito de criação da Galeria da FAV, o senhor poderia iniciar essa conversa traçando uma trajetória histórica dos espaços de exposição ligados a Faculdade de Artes da UFG?
CS - A galeria desempenha hoje o papel que antes era outorgado à sala expositiva do Museu de Arte Moderna, que foi, um dia, parte integrante do Instituto de Belas Artes de Goiás, o núcleo gerador da atual FAV.
Esse espaço expositivo foi ceifado pela ditadura militar gerando uma lacuna de mais de trinta anos, durante os quais a escola não produziu exposições nas suas dependências ou num espaço agregado a ela.
É necessário dizer que nem mesmo o Instituto de Artes (que era uma composição das escolas de artes plásticas e música) tinha uma sede própria. Foi sediado a princípio num dos blocos da Escola de Engenharia que não tinha instalações adequadas para tal finalidade. No IA ocorriam apenas duas mostras anuais: o Salão Estudantil de Artes da UFG e o Festival de Música e Artes Plásticas da UFG. Eventos que escoavam a produção semestral e que concediam premiações, e que aconteciam em espaços solicitados para tal fim: o foyer do Teatro Goiânia, o mezanino do Museu Zoroastro Artiaga, a sala de entrada da Biblioteca Municipal do Palácio da Cultura; mas também podia ocorrer numa loja revendedora de automóveis. Enfim, não havia espaço expositivo no Instituto.
Somente no final da década de 80 o Instituto de Artes conseguiu construir uma sede própria no Campus Samambaia.
Foi com a mudança para as novas instalações que experimentou ter um espaço expositivo, ainda que completamente inadequado para os novos critérios de montagem vigentes a partir dos anos 90. Nesse período os procedimentos do curador e do designer de montagem adentraram no circuito brasileiro de maneira mais forte e passaram a intervir nas montagens de exposições, e já era muito comum ver nos centros mais avançados espaços preparados com arquitetura, iluminação e sinalização condizentes com a montagem de mostras bem cuidadas.
Esse não era o caso do então espaço de exposições projetado.
Na verdade ele era uma sala bastante tímida, que ficava entre o foyer do auditório e a sala de entrada ao lado da cantina. Era retangular com paredes de vidro, com um pé direito muito baixo, com apenas duas pequenas paredes de alvenaria que ostentavam um grande relógio e uma placa, além dos furos e descascados de pinturas.
As mostras de então eram organizadas amadoramente por um ou outro professor, sempre no intuito de fazer escoar a última produção da sua sala de aula. Não havia curadoria e quase sempre nem mesmo seleção, muito menos ainda expografia. Os trabalhos de desenhos, gravuras e pinturas, uns quase colados nos outros, forravam pequenos e sujos painéis de eucatex, com aquela antiga estrutura de placas únicas horizontais suspensas sobre pés e com altura baixíssima. Enfim, tudo contribuía para diminuir o objeto exposto à condição de quase coisa nenhuma, (entre aspas), tamanho era o destrato e a desimportância que aquilo tinha.
Como se deu o seu contato com essa realidade? O senhor propôs alguma coisa para alterar essa situação?
CS - Assim que entrei na FAV como professor substituto em 1990, me solicitaram para organizar uma exposição para o dia do artista plástico – 08 de maio. Faltavam exatamente quinze dias para essa data, mas, topei na hora. Acionei todos os meus contatos e durante a semana que antecedeu a mostra, eu e um pequeno grupo de novos artistas passávamos horas montando a exposição. Ocupamos todo o prédio, e no dia 08 de maio de 1990, toda a imprensa esteve presente para documentar a mostra. Em matérias de capa os jornais falaram de uma espécie de batismo cultural da nova escola. A notícia da exposição correu como um rastilho de pólvora e o Campus II desceu em peso para ver a mostra. Muita gente de Goiânia se deslocou até ali. Foi grande o volume de visitantes e de escolas que lotavam os corredores o dia inteiro durante os quinze dias da mostra; nessa altura, ficou impossível manter o ritmo normal das aulas, pois o lado de fora das salas estava muito mais atraente...
O que se viu nessa primeira mostra que foi a inaugural da sede do Instituto de Artes da UFG? Depois dela, ocorreram outras mostras dentro dessa linha de proposta?
CS - O que se viu foi, primeiramente, uma enorme sala (o foyer do teatro) para discutir a Antropofagia; uma outra (a galeria) reservada para a obra de um artista incomum, o Moacir de Alto Paraíso; depois, em vários pontos do prédio viam-se instalações de jovens artistas, intervenções nas rampas e esculturas nos jardins do pátio interno. Nos corredores montei galerias com quadros: a primeira com a história do ensino de arte em Goiás trazia desde os pioneiros Ritter, Confaloni, DJ Oliveira, Peclát, passando por todos que vieram depois deles; uma outra galeria estava montada com obras cedidas em empréstimo por galerias profissionais da cidade e exibia desde Siron Franco, Cléber Gouvêa, Omar Souto, até a então recente geração 80; ainda outra galeria mostrava o Clube da Fotografia de Goiânia e foi curada por Rosary Esteves; uma outra mais, exibia a pintura goiana emergente; e por fim, uma última, que exibia um extrato significante da arte produzida naquela escola.
Realizei a segunda mostra com aspectos similares à primeira, e na terceira enfoquei o ensino de arte nas suas diversas instâncias. O processo amadureceu e uma exposição mais profissional tomou corpo em 1995, intitulada “Ato-All”. Foi uma mostra curada coletivamente em parceria com artistas e que exibiu obras de Lygia Pape, Paulo Bruscky, Antônio Dias, Ricardo Basbaum e Shirley Paes Leme.
Embora pudesse parecer que o processo estava consolidado, a sala de exposição do Instituto de Artes, mal engendrada, continuava a mesma e com sua obsoleta programação. Aliás, eu durante bastante tempo também coordenei essa galeria, organizando a pauta somente com as produções de ateliês da escola. Essa experiência me fez acreditar na necessidade de criar uma galeria na escola com caráter mais profissional.
Passaram-se ainda dez anos de tentativas para se conseguir criar um espaço adequado para as exposições. Fato que só aconteceu em 2001, durante o processo de reforma para adequar as instalações das duas faculdades – Artes Visuais e Música –, quando solicitei a mudança da sala de exposições para a marcenaria que seria desativada; o que era um antigo sonho, pois o espaço físico era bem proporcionado e bem localizado, bastante iluminado e bastava leve adequação para se obter um espaço com ótima qualidade expositiva. Com a mudança para esse espaço haveria também a mudança no conceito da sala de exposição.
É importante destacar que a proposta teve o grande apoio do professor Raimundo Martins, cuja administração na Direção da FAV coincide com os anos em que a galeria foi instalada e gerida por mim. Também a Reitora Milca Severino entusiasmou-se com a proposta e nos apoiou. Assim nasceu a Galeria da Faculdade de Artes Visuais.
Galerias em faculdades de artes parecem uma idéia nova. Como se dá a atuação delas no circuito artístico e qual o papel que a Galeria da FAV resolveu desempenhar?
CS - Galerias em (ou de) faculdades de artes não são e nem nunca foram novidade, elas sempre existiram e tem sempre atuado como instrumentos importantes no processo de formação artístico e cultural em que estão empenhadas. No Brasil, todas as grandes escolas possuem ao menos um espaço desses, e às vezes até, alguns deles com diferentes vocações.
Os destinos destas galerias no processo de ensino assumem os mais variados papéis, dependendo da linha educativa e também da política cultural que essas instituições estiverem engajadas. Umas desempenham o papel de somente servirem para dar visibilidade a produção acadêmica local; outras, estão abertas ao intercâmbio cultural com outros centros de ensino; outras ainda, abrem a sua pauta para a “democrática” concorrência pública. Além dessas atuações, há também aquelas galerias que se colocam como um campo aberto às experimentações artísticas.
No caso da Galeria da FAV, durante o período de sua instalação e afirmação, trabalhei com a proposta de ser uma galeria contemporânea aberta às experimentações, uma galeria responsável que determina o papel que desempenha em seu meio cultural, que estabelece curadoria sobre as diretrizes das propostas artísticas que veicula, e que se insere dentro do circuito da produção atual envolvendo profissionais diversos, mostras de qualidade conceitual e expositiva, além de espaço qualificado.
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