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terça-feira, 3 de março de 2009

Galeria da FAV de 2001 a 2006 - Percurso e reflexão III


Marcelo Solá.Sem título, 2008. Óleo, aquarela, lápis de cor e monotipia sobre papel. 100 X 120cm.


Entrevista a Carlos Sena por Carla Abreu


O senhor poderia falar um pouco sobre o impacto, a ressonância e o reconhecimento desse trabalho desenvolvido na Galeria da FAV?

CS - A galeria imprimiu um padrão de excelência que influenciou diversas instituições e galerias de Goiânia e do interior de Goiás. O trabalho da galeria tornou-se modelo e referência. A expografia das montagens com o cálculo da posição de cada obra e com a qualidade impecável da pintura das paredes; a identidade gráfica dos seus impressos de esmerado cuidado. A galeria abriu diálogos com a imprensa local e teve todas as suas mostras registradas pelos jornais. Formatou um mailing especializado na área artística, que consta de artistas, críticos, pesquisadores, museus, galerias, espaços culturais, universidades, colecionadores e aficionados em arte, e que permitiu a divulgação e o reconhecimento do trabalho efetuado pela galeria em outros estados. Treinou montadores, monitores, designers gráficos e produtores formando novos profissionais para o circuito local. Abriu-se para um campo de estágios e também de pesquisas que tem alimentado diversas monografias, dissertações, etc, e mesmo trabalhos desvinculados oficialmente da FAV, como é esse seu agora.
Eu esperava pela ressonância devido aos critérios com que cerquei a galeria. E ela veio com força. A galeria recebeu elogios de relevantes nomes da crítica especializada brasileira que a visitou: Agnaldo Farias, Tadeu Chiarelli, Felipe Chaimovich, Daniela Bousso, Cristiana Tejo e Ana Mae Barbosa, dentre outros, nos cumprimentaram pelo nosso desempenho.
Esse trabalho me trouxe convites para debates sobre cultura no Paço das Artes de São Paulo e sobre formação de acervos no IDA/Unb, em Brasília, e também foi comentado de maneira positiva em dois relatórios que diagnosticavam a situação da arte brasileira, elaborados pelo programa Rumos Artes Visuais Itaú.

Como o público e a população goiana se relacionam com a Galeria da FAV?

CS
- O primeiro público da Galeria da FAV é a sua comunidade acadêmica. A galeria nasceu para suprir a carência de um grupo significativo de alunos que se formavam ano após outro, sem nunca terem tido o mínimo contato com exposições profissionais de arte, em galerias ou museus. Também não é pequeno o número de professores que, ainda hoje, não cultivam o hábito de freqüentar exposições de arte.
Acredito que a fruição direta de obras de arte de grandes artistas é uma experiência única e insubstituível. As reflexões que podem advir disso são inúmeras e é difícil calcular o real impacto sobre os indivíduos, principalmente os que estão no processo de formação. O fato é que esse contato mostra-se sempre muito positivo no refinamento de um processo educacional.
A galeria é um espaço acessível para toda a comunidade acadêmica da UFG que se interesse pela atualização da cultura. Algumas unidades participam mais ativamente, como é o caso do pessoal da Comunicação e do Jornalismo, mas de uma maneira geral ela recebe visitas de todos os segmentos, dos diversos cursos, de alunos e professores que vão dos doutorados nas diversas áreas da UFG até crianças do Colégio de Aplicação. Mas também é muito comum receber turmas de escolas da rede pública de Goiânia, além do público aficionado em artes, que enfrentam distâncias para visitarem as mostras da FAV. Esse último segmento do público nunca foi grande, mas é crescente.

Por ser um espaço cultural de uma universidade, a galeria assume outros papéis e funções, entre eles, o de ser um laboratório de experimentações estéticas. Poderia falar um pouco mais sobre essa questão?

CS - Uma galeria de arte instaurada numa faculdade reivindica para si outras funções didáticas e pedagógicas que são diferentes das funções de outras galerias institucionais, ligadas aos museus ou aos espaços culturais de diversas ordens. O que norteia a universidade pública também norteia o desempenho da galeria para o exercício de formação cultural com que está compromissada. Uma galeria aqui é palco para o desempenho dos variados papéis que o ensino, a pesquisa e as diversas ações extensivas possam suscitar.
É um laboratório onde poder ser observados os comportamentos da arte da atualidade, as experiências com o conceito de arte, com as poéticas hodiernas, com as linguagens e as técnicas da arte, com os conceitos de história, crítica e curadoria de arte, etc.
É muito comum na galeria encontrar rodas de alunos informalmente sentados no chão enquanto um professor desenvolve a sua aula, que incorporou aquela situação expositiva como manancial a ser explorado; ver grupos de pessoas discutindo propostas artísticas, técnicas, poéticas, ou ainda pessoas introspectivas em anotações de impressões e reflexões para o exercício de redações, discussões, debates e críticas. Tudo isso é mais comum presenciar aqui, do que num vernissage social de espaços que não são diretamente ligados a educação.
Além disso, as diversas situações engendradas durante a produção de uma exposição de arte, é também um excelente laboratório onde se pode praticar como esse sistema funciona em todos seus meandros, da expografia adequada a cada situação, passando pelo setor de produção da mostra, com peças gráficas, divulgação virtual, divulgação impressa, catalogação e difusão. A galeria articula também com o ensino nas ações educativas com os mediadores/monitores preparados para as diversas solicitações do público.
A galeria é laboratório para diversas pesquisas, redações, artigos, trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações, teses, etc. A eficácia desse laboratório de estética é visível, sobretudo, na produção artística local, e não estou falando apenas dos trabalhos acadêmicos, mas, sobretudo, da produção dos docentes, que diariamente são instigados a adequar suas práticas de arte às novas situações, e estas, sabemos, são constantemente ampliadas e renovadas.

Poderia nos descrever como foram as exposições realizadas no percurso já traçado pela FAV, citando curadorias, montagens e artistas relevantes que participaram das mesmas?

CS - Durante esse percurso de implantação da Galeria da FAV, busquei adotar um perfil que fosse pluralista e diversificado.
O calendário de exposições priorizou mostras coletivas para enfatizar a grande envergadura da arte contemporânea. Exibiu apenas quatro mostras por ano e que tinham uma duração maior que as do mercado de arte e mais compatível com as do circuito museológico. Haviam intervalos entre as mostras para que os setores de produção e pós-produção pudessem atuar. No percurso em que participei diretamente, coordenando a galeria, foram um total de 25 mostras. A maior parte curada por mim, e umas poucas curadas por profissionais ligados a essa área.
As exposições diziam respeito às questões que são objetos de investigação da arte atual. Geralmente a curadoria parte de uma idéia geral, situada no âmbito do conceito, e que é enriquecida pela pesquisa e pela abordagem crítica até desembocar num conjunto de produções artísticas, capaz de discutir e deslocar essa idéia inicial.
A montagem acurada ajuda a clarear o conceito com mais precisão. Entretanto, dado a natureza individual das pesquisas dos artistas que produziram suas obras distante da abordagem crítica que essa situação expositiva organiza, tais obras devem funcionar como únicas, embora participem daquela discussão. É um trabalho sofisticado que exige muito rigor, pois a hiper-valorização do discurso expositivo pode embotar a obra, e essa é a última coisa que uma curadoria deve fazer, pois a obra deve sempre aparecer em todo seu vigor. A obra transcende a leitura curatorial; embora se acomode nela, suscita sempre outras interpretações e outros níveis de análise crítica.
Quanto aos artistas, a relevância dada pela notoriedade ou pelo reconhecimento público, dignifica e confere credibilidade à exposição. A escolha precisa da obra de cada artista abre caminhos na abordagem curatorial. Como estamos falando de 25 mostras, entre as quais apenas duas foram individuais, fica difícil citar aqui todos os artistas participantes, pois foram mais de 150. Mas tivemos o enorme prazer de exibir obras de artistas brasileiros como Cildo Meireles, Paulo Bruscky, Nelson Leirner, Ricardo Basbaum, Eduardo Frota, José Rufino, Martinho Patrício, Nina Morais, Fabiano Gonper, Gê Orthoff, Lucas Bambozzi, Walton Hoffmann, Eliane Prolik, Tatiana Grinberg, Élder Rocha, Mônica Schoenaker, dos goianos Siron Franco, Marcelo Solá, Edney Antunes, Divino Sobral, Grupo Empreza, e muitos outros com relevância no circuito ou com excelentes produções.
Entre as exposições que eu curei tenho carinho muito grande por “Hodiernos”, “As aparências não enganam”, “Raio X”, a mostra individual do cubano Ruslán Torres. Também as mostras “ABC” (Arte brasiliense contemporânea), “Heterodoxia” e “Transverso” foram marcantes.

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