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terça-feira, 3 de março de 2009

Galeria da FAV de 2001 a 2006 - Percurso e reflexão IV


Juliano Moraes. Escada ensimesmada, 2006. Madeira e graxa, 180 X 150 X 40cm.


Entrevista a Carlos Sena por Carla Abreu


De que forma a comunidade acadêmica participou desse processo? Existia algum programa em que suas produções também pudessem ser exibidas?

CS - Sempre acreditei que o paternalismo ou protecionismo à produção acadêmica ao invés de ajudar o aluno a enfrentar os desafios e dificuldades que assomarão no seu caminho profissional, mascaram um sucesso relativo junto ao seu grupo de referência, que em nada contribuirá de fato para o seu amadurecimento artístico. Acredito que o papel da galeria para uma formação responsável, deve, ao contrário das facilitações, criar algumas dificuldades que sirvam como estimulantes desafios para as realizações futuras. Uma galeria universitária que paute a sua agenda apenas na produção acadêmica, pode, por um lado, estimular a produção caseira, mas por outro, impede a transcendência dos limites dessa comunidade acadêmica, formando uma escola que olha para o seu próprio umbigo.
Creio que o contato direto com a boa produção artística, principalmente a dos profissionais desse sistema, é uma experiência enriquecedora em todos os sentidos, e é mais que função de uma instituição formadora de conhecimento, é obrigação dela, propiciar essa experiência.
No entanto, qualquer gestão compromissada com a atuação local deve criar sistemas de inserção dessa comunidade na sua programação, e isso também pautou a minha diretriz. Não apenas a comunidade discente, mas também os docentes participaram de mostras. A inclusão da comunidade discente também era feita de forma rigorosa, mas extremamente respeitadora das conquistas individuais dos alunos, nos diversos desafios que a vida extra-acadêmica dispõe para eles. Desenvolvi dois programas em que os alunos podiam participar e tirar deles experiências profissionais: no primeiro, chamado “Diálogos possíves”, os alunos eram cooptados através de referências dos seus professores sobre a excelência das suas produções, e posteriormente dividiam espaço expositivo com docentes da FAV, possibilitando assim múltiplos diálogos entre duas gerações, destituindo barreiras de reconhecimento público, nivelando-os pelas produções. Outro programa, “Raio X”, traçava um diagnóstico da produção emergente da FAV no circuito profissional, quer seja local ou nacional. Para esse último o aluno, na verdade, tinha que ter emergido de alguma forma, ser selecionado por salões de arte, ou recebido convites para boas mostras; enfim, já ter recebido algum reconhecimento por empreitadas individuais. Assim, por seus próprios méritos, o elenco de convidados organizava-se naturalmente.


Quando surgiu a idéia de iniciar uma política de formação de acervo para a FAV? E como ela evoluiu?

CS - No aniversário da UFG em 1997, organizei uma mostra com as obras que estavam nos gabinetes da FAV. Montei o conjunto na antiga galeria, que naquele momento tinha sido reformada embora permanecesse inadequada. Nessa exposição acrescentei ainda algumas obras solicitadas a alguns jovens professores, numa tentativa de atualização do processo. Escrevi um texto apresentando a exposição como o acervo da FAV, e, apesar da timidez do conjunto, aquilo teve um impacto muito positivo sobre toda a comunidade. Então, começou a ser cada vez mais freqüente se ouvir falar sobre o acervo da FAV.
No processo de fundação da galeria, discuti muito com o Raimundo Martins a necessidade de levar essa idéia de acervo à frente, como um núcleo gerador de um futuro museu. O apoio dele foi fundamental. Então criei o projeto Ampliação do Acervo Artístico da FAV, registrado na PROEC, e já estou trabalhando nele há seis anos.
A partir da pesquisa e da análise das obras dos artistas que considero relevantes à História da Arte em Goiás, escrevi um estudo intitulado “Arte Contemporânea em Goiás – de 1960 até a atualidade” (que aguarda publicação) e essa obra é que me norteia na organização da coleção.
Sobre as aquisições levantadas por meu projeto produzi dois catálogos e alguns folderes; realizei três exposições e algumas palestras.
Recentemente, artistas brasileiros procuraram o projeto para doarem suas obras, e vi nisso a possibilidade de ampliar o diálogo da produção local com a nacional, incorporando estas produções.
Atualmente a coleção por mim organizada contém cerca de cem obras em modalidades as mais diversas, entre pintura, escultura, desenho, gravura, objeto, instalação e vídeo-arte.

Quais foram os critérios definidos e como são constituídos os vínculos para compor o acervo da Galeria da FAV?

CS – O acervo da FAV é eclético e compõe-se de diversas coleções que também tiveram diversas origens: a primeira coleção foi formada por um parco número de obras (pinturas, desenhos, esculturas e gravuras) de antigos professores do Instituto de Artes e de ex-alunos que foram premiados nos Salões de Arte que essa escola promoveu (tenho uma obra incluída nessa coleção pioneira). A segunda coleção veio pronta como doação do Banco Central à FAV, e é formada por gravuras (serigrafias) de artistas do modernismo brasileiro. A terceira coleção foi organizada pela Profª Edna Goya e é composta de obras de gravadores goianos. Finalmente, a quarta coleção, Hodiernos, é fruto da minha pesquisa sobre a arte local e do meu trânsito como artista e produtor cultural nos circuitos local e nacional.
Eu somente posso falar dos critérios estabelecidos dentro do meu projeto de ampliar o acervo artístico da FAV.
Sob o conceito de Hodiernos, organizo uma coleção de arte contemporânea com ênfase na produção goiana, e com alguma amostragem de arte brasileira. A coleção é formada a partir de doações mediadas pela minha pessoa, e o primeiro critério para isso é o reconhecimento público da qualidade da obra do artista e sua historicidade, a importância de sua obra e de seu currículo. Como segundo critério, a relevância da obra doada, que deve estar inserida na trajetória do artista. Depois, enumeram-se a possibilidade da obra ser conservada numa coleção pública, na instável situação brasileira; e mais critérios relacionados às dimensões para o armazenamento e ao estado de conservação.
As doações são legitimadas pelos artistas doadores sob assinaturas de Termos de Doação, documentos legais que eximem a UFG de qualquer ônus sobre essa transação e ainda termos de cessão dos direitos de uso da Imagem da obra para a UFG;
Quanto aos vínculos institucionais, a coleção recebe a chancela de instâncias superiores. As obras doadas são submetidas à aprovação do Conselho Curatorial e Consultivo da Galeria da FAV, e posteriormente também referendadas pelo Conselho Diretor da FAV. Outro vínculo deve ser estabelecido com o processo de tombamento como patrimônio público da UFG.
No mais, os processos de difusão do acervo e a lida diária pela acomodação e conservação da coleção envolvem desde capacitação e qualificação de diversos agentes profissionais, até a adequação e, às vezes, construção dos espaços para que a coleção possa crescer, para que possa permanecer viva para as gerações futuras. É essa minha proposta.

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