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terça-feira, 3 de março de 2009

Galeria da FAV de 2001 a 2006 - Percurso e reflexão V


Julio Ghiorzi. Sem título, da série Pinturas Gêmeas, 2005. Díptico: esmalte sintético sobre placa de celulose. 93 X 184cm.


Entrevista a Carlos Sena por Carla Abreu


Quais são as principais dificuldades encontradas para formar e ampliar a coleção?

CS – Creio que, numa visão mais abrangente, considerando o estado atual das coisas, as grandes dificuldades em iniciar coleções para o patrimônio público, pautam-se na desqualificação inicial dos recursos humanos, na falta de aparato material condizente para o armazenamento, conservação e restauração de obras e na inadequação dos espaços arranjados para organizar a coleção.
Responsabilizar-se por uma coleção é um compromisso feito com o futuro, que envolve o convencimento de diversas outras instâncias sobre as necessidades para armazenar, conservar, catalogar, pesquisar e disponibilizar ao público.
É muito mais que um simples exercício de poder de amealhar patrimônio, ou vaidade pessoal centrada na escolha de obras para compor uma coleção institucional. É uma relação subjetiva, embora, eu diria até que, de fato, eu não escolho os artistas, mas, as suas obras e os seus currículos é que os projetam para a coleção. O que faço é uma mediação centrada nas suas produções, busco o que seja extremamente significante para se deixar como legado cultural de nossa época. Eu sempre solicito o que houver de melhor nas produções, e na medida do possível, a resposta tem sido bastante positiva.

A Galeria da FAV é um espaço pequeno, o senhor tem planos para a continuidade deste processo de ampliação do acervo?

CS – Para mim, a galeria deve sempre ter uma postura afinada com o seu tempo histórico, deve participar ativamente na construção de uma identidade contemporânea, ser um núcleo fomentador e difusor da arte atual e ter no presente a sua tônica principal.
Quando nasceu com sua vocação à contemporaneidade a galeria se propunha ser também o núcleo gerador de uma política cultural que visasse, ao seu fim, a criação do Museu de Arte da UFG, unindo o presente ao passado e ao futuro. Na minha concepção o museu não deveria se iniciar pela construção de um belo espaço arquitetônico, mas, ao contrário, pela formação e desenvolvimento de um acervo expressivo, que sujeito às necessidades reivindicaria para si investimentos para sua manutenção, geraria inúmeros problemas que deveriam ser sanados. O acervo requer a construção do Museu.
Outros aspectos importantes para o crescimento do acervo são a qualificação e o aprimoramento dos recursos humanos, e o investimento na reserva técnica, de modo a permitir a solução de problemas que decorrem da formação deste tipo de coleção.

Em que medida a coleção Hodiernos, que o senhor organiza, participa da construção desse momento histórico?

CS – A História da Arte depende da organização de acervos. A produção artística do passado não foi colecionada pela Universidade, e uma grande lacuna existe para ser preenchida por outras frentes de trabalho num futuro bem próximo, eu espero.
A coleção Hodiernos é parte fundamental nesse processo de organização do legado artístico e investe na construção de um patrimônio histórico deflagrado pela condição artística atual. É muito complexo iniciar uma coleção que revele toda a nossa história local, em contato com a produção nacional (o que, a princípio, é a vocação da nossa coleção), se tivermos a preocupação cronológica e acharmos que devemos iniciar esse processo numa perspectiva histórica do tipo: pioneiros, trajetórias e atualização do presente.
A coleção Hodiernos inverte essa ordem. O próprio nome escolhido para a coleção já diz que é atual, de hoje em dia, uma contínua atualização das condições de se fazer arte. É a minha contribuição para o processo geral de organização do acervo memorial que partilho com os artistas do meu tempo.
Mas, por um outro lado, se formamos uma coleção a partir de elementos do presente, acabamos por revelar o desconforto da não organização do patrimônio passado, e essa falha nos instiga a correr atrás da recuperação da história passada, o que é muito mais difícil de ser resolvido porque envolvem espólios familiares, leis de incentivo, doações e aquisições mais complexas.
A inclusão da produção do presente numa coleção pública, no entanto, deve ser cuidadosa e responsável. Não deve visar a princípio o meu gosto e minhas relações pessoais com o meio. Deve sim revelar o melhor da produção artística, a preocupação cultural do meu tempo histórico. E só se consegue organizar uma ação como essa tabulando currículos, investigando trajetórias, mergulhando nas análises críticas dessas produções. Então, cada peça que entrar para a coleção deverá ser significativa na trajetória do artista, deve ter um histórico anexado a ela. Enquanto à instituição cabe se compromissar em guardá-la adequadamente, conservá-la, restaurar se for o caso, para que possa disponibilizar esse patrimônio a exposição pública, além de torná-lo objeto de constantes pesquisas.

Como são as novas obras que passam a integrar a Coleção Hodiernos, e que são apresentadas nessa publicação?

CS – É um conjunto de obras envolvendo pintura, desenho, colagem, fotografia, objeto e instalação. Muitos dos artistas possuíam obras na coleção, mas nessa oportunidade renovaram suas doações. Também foram incorporados alguns artistas bastante relevantes no nosso processo histórico e que ainda não tinham obras na coleção, e numa proporção bem menor foi cooptado o extrato mais emergente da produção atual, artistas que apesar de ainda muito novos, já promoveram atuações relevantes e foram alvos do reconhecimento crítico; então, dado a grandeza dos seus feitos e a excelência das suas produções, atualizam agora, a proposta Hodiernos.
Eu entendo que uma coleção pública de uma instituição do porte da Universidade Federal de Goiás não deve ser objeto de especulação. Ela deve ser comprometida com a própria dimensão da pesquisa e preocupada com o repasse de questões culturais. A qualidade das obras e os percursos individuais dos artistas os indicam às coleções responsáveis pelo arquivamento dessas memórias de época. Ou seja, a instituição apenas reconhece o mérito dos seus feitos.
Nesse sentido, o novo conjunto de peças que passa a integrar a coleção Hodiernos, ampliando-a para cerca de cem obras, é um extrato atualizado e muito significativo da trajetória histórica da arte contemporânea de Goiás.
Siron Franco que está no circuito artístico desde os anos 70 e continua ainda hoje com produção vigorosa, foi agora incluído na coleção Hodiernos. A amostragem se amplia com obras atuais de artistas que surgiram na efervescência dos anos 80, como eu mesmo, Selma Parreira, Ciça Fittipaldi, Elder Rocha, Elyeser Szturm, Edney Antunes, Enauro de Castro, Luís Mauro, Célio Braga, Rosa Berardo, Dulcimira Capisani e Zé César. Sequencialmente as produções atuais da geração que fez a sua incursão artística durante os anos 90, como Marcelo Solá, Divino Sobral, Juliano de Moraes, Pitágoras, Telma Alves, Anahy Jorge, Paulo Veiga Jordão e Rodrigo Godá. Por fim a atualidade através da produção que emergiu a partir do ano 2000, com as obras de Sandro Gomide, Helga Stein e Marcus Freitas. Numa visão ampliada da produção contemporânea de Goiás incorporei obras de artistas que nasceram no Estado, mas que há muito residem ou atuam fora sem romperem os vínculos com Goiânia, como é o caso de Stein, Freitas, Szturm, Rocha e Braga. Hodiernos exibe assim uma visão pluralista e diversificada da arte contemporânea de Goiás.

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