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terça-feira, 23 de junho de 2009

Cléber Gouvêa

Cleber Gouvêa. Sem título,1986. Pintura. 50 X 60cm. Coleção Carlos Sena.

Carlos Sena

Na consolidação do processo artístico em Goiás, um nome é unanimemente reconhecido por sua participação notória, tanto como artista quanto como professor: Cléber Gouvêa (Uberlândia/MG, 1942 – Goiânia/GO, 2000).

Em 1954, com apenas 12 anos, Cléber iniciou o seu aprendizado de técnicas artísticas com Jared Queiroz, em sua cidade natal, Uberlândia (MG). Depois, em 1958, ambicionando alçar maiores voos, mudou-se para Belo Horizonte, onde tomou contato com o grande pintor modernista Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). Em 1962, atendendo ao convite da escultora Maria Guilhermina, transferiu sua residência para Goiânia para integrar o corpo docente da recém-criada Faculdade de Artes da UFG, onde desenvolveu uma carreira ligada ao ensino de gravura e de pintura e atuou na formação de dezenas de artistas locais por cerca de três décadas.

Ao chegar a Goiânia, Cléber logo se entrosou com o meio de arte local, nele criando inúmeras relações e fincando profundas raízes. Desenvolveu relações de parceria com Nazareno Confaloni (1917-1977), Gustav Ritter (1904-1979) e DJ Oliveira (1932-2005), e travou amizade duradoura com Siron Franco, com quem dividiu grandes jornadas de trabalho em um ateliê coletivo. No entanto, a obra de Gustav Ritter, ao que parece, foi a que provocou um maior impacto sobre a obra de Cléber, como se pode observar na sua produção a partir dos anos 70, com o surgimento de formas orgânicas, biomórficas e sintéticas, bem como com o simbolismo que universalizava signos da paisagem regional.

É nesse período que sua obra pictórica deslancha e adquire técnica, poética e plasticidade singulares. Rompe os limites do pequeno meio goiano de arte e insere sua produção no circuito nacional com participações em mostras de grande relevância como a Bienal Internacional de São Paulo (1971), o Salão Global da Primavera no Distrito Federal (1973) e três edições do Panorama de Arte Brasileira, promovido pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (1975, 1979,1983).

Cléber foi um artista que pensou a “arte como ofício”; o foco de suas preocupações se centrava na esmerada fatura e no rigor com que desenvolvia seus projetos. Tornaram-se emblemáticos seu domínio e seu conhecimento do aparato de técnicas de pintura. Investigava materiais não ortodoxos e ocupava-se em incorporar areia e folhas de papel na tinta à base de nitrocelulose. As aparências distintas das originais tinham o objetivo de promover certo grau de ilusão, de seduzir o olhar pelas texturas originadas de uma memória do mundo.

No seu repertório imagético, passado e presente, natureza e cultura, espaço geométrico e configurações orgânicas fossilizadas (como caracóis, peixes e insetos) mesclam-se à paisagem bruta do sertão, às escritas de um caderno de estudos geológicos e à vontade de penetrar no interior da terra. Com esse repertório desenvolveu uma enorme produção em pinturas – que foram comercializadas em boas galerias nacionais – e realizou grandes painéis em instituições públicas e privadas de Goiânia. Cléber tinha um apreço especial pela grande dimensão das telas, aspecto recorrente ao longo de toda sua obra, mesmo nas suas últimas fases, no final dos anos 90.

Durante as quatro décadas em que produziu, Cléber Gouvêa experimentou a liberdade para recriar sua obra: no início, trabalhou um figurativismo modernista; quando sua obra amadureceu, nos anos 70, desvelou enormes abstrações de cores densas e escuras, que destacavam as qualidades materiais da superfície; retomou o figurativo em suas pesquisas sobre a imagem de fósseis; investigou a plasticidade do caderno de geologia de onde extraiu o potencial da escritura e os cortes rochosos; retornou à representação – não óbvia – da paisagem goiana; e, em sua última fase, criou uma série de painéis sobre a Serra Dourada da Cidade de Goiás. A trajetória de Cléber revela sua liberdade experimental para decidir os rumos da sua obra, independente dos grupos de referência ou dos ditames das tendências de época.

Na verdade, Cléber constituiu-se em referência para gerações de artistas que receberam os seus ensinamentos ou que, informalmente, desfrutaram de sua convivência. A grande lição que ele procurava repassar se norteava na liberdade de escolha: o método de Cléber procurava dar independência para que, no desenvolvimento de suas pesquisas, os alunos encontrassem sua linguagem. Em face disso, não incentivou uma “escola Cléber de pintura” e tampouco deixou discípulos; procurou incentivar os jovens artistas a descobrir seus próprios meios e repertórios para empreender uma trajetória particular de sujeito da sua arte.

A Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, ao permitir que novas gerações entrem em contato com essa pequena amostragem da obra de Cléber, abre caminhos para futuras pesquisas que adensarão a leitura de sua produção, instiga futuras exposições retrospectivas sobre um dos artistas mais completos dessa instituição de ensino de arte, além de permitir o encontro com a memória do grande e generoso amigo, que não tinha medo de quebrar as normas e regras acadêmicas, em favor do bom desenvolvimento do aprendizado artístico.

Carlos Sena Passos
Professor de História da Arte Moderna e Contemporânea da FAV/UFG.
Diretor do Espaço Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFG

Texto publicado originalmente no catálago da exposição "Tempo de rever Cleber Gouvêa" - Galeria da Faculdade de Artes Visuais da UFG, junho de 2009.

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